A indústria prefere que você continue ignorando o que está por trás da aparência “fresquinha” das frutas e verduras. E, pelo visto, você também.

Você já parou para pensar o que, exatamente, está comendo quando coloca um tomate na salada? Ou uma folha de alface no sanduíche? Talvez prefira não saber — e é exatamente assim que o sistema agroalimentar quer que você continue: no escuro.
É desconfortável, mas necessário dizer: boa parte dos alimentos que você julga “naturais” estão longe de ser saudáveis. Tomate, alface e morango são campeões no uso de agrotóxicos, e isso não é teoria conspiratória — é dado oficial da Anvisa. Estamos falando de pesticidas comprovadamente tóxicos, aplicados de forma rotineira, invisível, e que você consome junto com cada mordida.
” Pesquisas e reportagens recentes mostram um comportamento curioso, porém crescente: muitos consumidores admitem que preferem não saber o que está envolvido na produção de certos vegetais e frutas. E o motivo é simples — se soubessem, talvez deixassem de consumir esses alimentos. “

A cortina de silêncio
O problema vai além da contaminação: o silêncio é estratégico. Frutas e hortaliças não vêm com etiquetas dizendo quantas vezes foram pulverizadas, nem qual veneno foi usado. E não saber se tornou um alívio para muitos. Afinal, é mais fácil fingir que está tudo bem do que encarar o fato de que até os alimentos “do bem” estão contaminados.
Essa negação é socialmente incentivada. O discurso oficial repete: “Basta lavar bem.” Só que estudos já mostraram que boa parte dos agrotóxicos penetra na casca e permanece mesmo após lavagens cuidadosas. E quanto mais bonito o morango, maior a chance de estar envenenado.

Conivência coletiva
Consumidores não querem saber, supermercados não querem explicar, governos não querem fiscalizar — e a indústria agradece. Esse pacto silencioso mantém tudo funcionando. A lógica é simples: quanto menos você questiona, mais fácil é te vender “saúde” embalada em veneno.
“É muito mais fácil seguir comendo sem pensar nisso”, comenta Carla Meirelles, nutricionista e pesquisadora em segurança alimentar. “Mas o fato de ignorarmos não muda o risco. O morango, por exemplo, costuma receber dezenas de aplicações de pesticidas ao longo do cultivo, já que é muito suscetível a pragas. E quase sempre é consumido cru.”

“A sociedade naturalizou o inaceitável. Comer virou um ato de fé no agronegócio”, diz Mariana Ferreira, pesquisadora em segurança alimentar. “Estamos comendo veneno como se fosse normal, e quem denuncia é tratado como radical.”
Alternativas? Sim, mas nem sempre acessíveis
Claro, existem feiras orgânicas, pequenos produtores e hortas urbanas. Mas esses caminhos exigem tempo, dinheiro e informação — três recursos que muita gente não tem. Resultado? A maioria segue comendo o que aparece na gôndola, de olhos fechados e consciência anestesiada.
“Tem uma ilusão de que frutas e verduras são sinônimo de saúde. E, em parte, são mesmo. Mas o sistema de produção precisa ser mais transparente”, alerta a engenheira agrônoma Joana Ribeiro, que trabalha com agroecologia. “Senão, estamos apenas trocando um problema por outro.”

Comer virou um risco calculado
O brasileiro comum hoje precisa escolher entre o risco de comer agrotóxicos e o risco de não comer verduras nenhuma. Isso não é uma escolha — é um fracasso de sistema.
É hora de parar de fingir que não sabemos. É hora de cobrar transparência, exigir políticas públicas de incentivo à produção limpa e lembrar que, no fim, a comida saudável não pode ser um privilégio de poucos.
Enquanto isso, o morango continua brilhando na prateleira. Só não se iluda: o que brilha demais, quase sempre, é químico.

O dilema: comer ou questionar?
Na prática, o que muitos fazem é seguir comendo, tentando não pensar muito. “Eu sei que tem coisa errada, mas se eu for me preocupar com tudo, não como mais nada”, diz Leandro, administrador de 34 anos. Essa é a realidade de muitos brasileiros, que se veem sem alternativas viáveis e seguras no dia a dia.
Mas há caminhos possíveis. O crescimento de hortas urbanas, agricultura familiar e cooperativas orgânicas vem ganhando espaço nas grandes cidades. “A mudança pode começar com pequenas escolhas. Consumir menos, mas melhor”, sugere Joana.
Enquanto isso, o tomate continua na salada, o morango no iogurte, e a alface na mesa do almoço — mas, para muitos, melhor não perguntar demais.